quarta-feira, março 30, 2005

A Carta

“Haverá o dia que estudiosos, em sua gaia-ciência de loucos, quererão conhecer mais da vida de seus antecessores. Diante de poucos documentos históricos restaurados – Bíblias, bulas de remédio e 'Diários de um Mago' -, encontrarão essa carta à mercê de seus cuidados.

Incapazes de retribuir um carinho, esses descobrirão a atenção que nossa civilização tem uns com os outros. O filho de Deus por seus irmãos. O curandeiro por seus enfermos. O autor por suas convicções. O adorador por sua adoração. E terão eles a certeza que vivemos no glamour do bem-querer, que convive em nós amor e respeito em harmonia.

Mas eles cometerão um grande equívoco ao afirmar que todos somos filhos do Superior, que toda cura curaria, que todo autor condizia às suas certezas, que toda adoração é inconseqüente. Quem adora, adora a algo, por santidade, carência ou personificação. O que eles nunca entenderão é que entre adornos, promessas e beijos, há também, submerso em nossos tempos, o amor incondicional. Flor de pétalas multicoloridas que insisto em te presentear.

Amo-te. E isso basta.”

Tinha certeza, dessa vez entregaria em mãos a carta de amor. Sua terceira carta de palavras rebuscadas e versos pretensiosos. E assim fez.
- Oi. Eu te escrevi uma carta de amor.
- Por quê?
- Como assim?
- Por que você me escreveu uma carta de amor?
- Hmmm... Porque é o que eu faço de melhor.

Sorriu. E esse sorriso só foi maior quando descobriu que sua mãe era florista, mas que morava com a avó. E essa sabia lhe fazer bombons de licor...

(Solano Lucena)