domingo, outubro 15, 2006

O cara que escreve

Se não fosse o cara que escreve, me perguntaria: quem é esse, que sempre contradiz o cara que escreve?

Eu sei. Ao me conhecer pessoalmente, vejo que não tenho a mínima graça. Não que ao escrever tenha. Mas, pelo menos, busco encantar alguém de alguma forma. O cara que escreve tem um problema. O que não escreve tem dois.

O cara que escreve, na verdade, é uma criação. Somente mais uma criação fraca e malsucedida. Seu trabalho é mostrar o lado errôneo e pouco heróico de alguém. No caso, ele mesmo. Ele, que, na verdade, é o mesmo que eu. A verdade acabou vazando por tudo e tudo que é escrito hoje o descreve. Resgatar fundos escuros de um caderno de linhas tortas já foi uma proposta, hoje é regra. Não importa a validade do caderno, dos fundos e das linhas, o cara que escreve se repete mesmo assim.

E o que não escreve não tem o que repetir. É tão sem-graça que chegam a ser cinza seus domingos. Que se vê num lugar onde nunca estivera. Que, por onde caminha, não encontra arco-íris, mas sempre acreditou saber onde este ficava: lá do lado de lá dela, que escreve bonito.

(Solano Lucena)