Homens engravatados não sabem voar
Perdeu o ônibus das 6:20. Decidiu ir a pé mesmo. Só ia passar antes no posto de gasolina p'ra comprar a lasanha de janta. Frango com molho de vegetais ou bolonhesa? Hmmm... Bolonhesa! É melhor não inventar muito.
Ao chegar em casa, deixava a gravata e o terno nas cadeiras que estavam na trilha da cozinha. Maldito microondas! Estragou de novo. Culpa da rede interna dessa merda de edifício. Ah... Sentou-se no sofá. Esfregou os olhos e pôs um DVD do Jimi Hendrix em Wight Island. Foi até a cozinha e aprendeu como se faz uma lasanha no forno. Verificou a secretária eletrônica, nenhuma mensagem em um mês... Ok, sem namorada, sem amigos, sem família, só com uma bosta de cactos que nem latir latia.
Olhou continuamente a sacada. Era ali. Tirou os sapatos por reflexo e se posicionou do lado de fora. Acontecia um diálogo dentro dele.
- Pula logo, porra!
- Mas pular p'ra quê?
- Como assim, p’ra quê? Tu trabalha no atendimento. Já viu vida mais abostada que a tua?
- Ah, pára! Tu tem um bom trabalho, um bom salário, um apartamento com uma vista linda, liberdade... O resto é só conseqüência!
- Conseqüência? Há quantos anos que tu pensa assim mesmo?
Foi quando a vizinha do apartamento ao lado abriu a janela.
- Que você tá fazendo?
- Tô só aqui... Não sei direito... Tava pensando em pular.
- É? P'ra quê?
- Ah, a minha vida não tá muito boa. Tô meio a fim de acabar com ela logo.
- Sei. Mas você acha que fugir melhora?
- Ahm... Melhorar, não melhora. Mas também não piora, né?
- É... Acho que sim. Que coisa... A minha também não tá lá essas coisas. Tem espaço p'ra mais um?
- Onde? Lá embaixo? Olhe você!
- Bá... É espaço p'ra caramba!
- Pois é. Hmmm... Mas você tem certeza que quer se matar também? Você é tão bonita...
- Tenho, sim. Fui casada há cinco anos atrás, meu marido sumiu de um dia p’ro outro. Hoje não tenho ninguém. E minha vida não presta mais.
- Você é solteira? E aquele homem bonito que entra todo dia na sua casa?
- Ah, é meu irmão...
- Não, não o seu irmão. Aquele loiro, alto.
- É o eletricista. Tem um problema de fiação horroroso aqui...
- Ah, bom.
- Quem vai primeiro?
- Hmmm... Eu tava pensando. Vamos desistir dessa idéia absurda de pular? Nós somos tão jovens, temos muito ainda p'ra viver, não achas?
- Desculpa, agora não dá mais. Você moveu dentro de mim um desejo submerso, sabe? Agora é enterrar minha cabeça no asfalto ou nada.
- Nada!
- ...
- Mas por quê? Você não tem pai e mãe?
- Só mãe. Meu pai morreu atropelado.
- Então? Você não pensa na tua mãe? Poxa! Imagina a cara dela ao saber que a filha que tanto cuidou decidiu desistir de tudo de uma vez só...
- Minha mãe deve estar agora em Acapulco ou no Caribe junto do namorado 25 anos mais moço gastando todo o dinheiro do papai...
- E tu acha que ela não se importaria se tu morresse?
- Acho que não. Foi uma recomendação dela, inclusive.
- Nossa...
- É...
- Tá decidida, então?
- Mais do que nunca.
- Tá bom...
- Mas faz um favor? Tu se importa de pular de mãos dadas comigo? Caso apareça no jornal ou alguma coisa, eu não queria que meu marido achasse que eu estava sozinha.
- Claro. Não me importo, não. Seria uma honra...
- Hahaha!
- Então, vamos lá? No três! Um!
- Dois.
- Dois vírgula setenta e cinco.
- Ai, que sem-graça!
- Tá, três...
(Solano Lucena)
Ao chegar em casa, deixava a gravata e o terno nas cadeiras que estavam na trilha da cozinha. Maldito microondas! Estragou de novo. Culpa da rede interna dessa merda de edifício. Ah... Sentou-se no sofá. Esfregou os olhos e pôs um DVD do Jimi Hendrix em Wight Island. Foi até a cozinha e aprendeu como se faz uma lasanha no forno. Verificou a secretária eletrônica, nenhuma mensagem em um mês... Ok, sem namorada, sem amigos, sem família, só com uma bosta de cactos que nem latir latia.
Olhou continuamente a sacada. Era ali. Tirou os sapatos por reflexo e se posicionou do lado de fora. Acontecia um diálogo dentro dele.
- Pula logo, porra!
- Mas pular p'ra quê?
- Como assim, p’ra quê? Tu trabalha no atendimento. Já viu vida mais abostada que a tua?
- Ah, pára! Tu tem um bom trabalho, um bom salário, um apartamento com uma vista linda, liberdade... O resto é só conseqüência!
- Conseqüência? Há quantos anos que tu pensa assim mesmo?
Foi quando a vizinha do apartamento ao lado abriu a janela.
- Que você tá fazendo?
- Tô só aqui... Não sei direito... Tava pensando em pular.
- É? P'ra quê?
- Ah, a minha vida não tá muito boa. Tô meio a fim de acabar com ela logo.
- Sei. Mas você acha que fugir melhora?
- Ahm... Melhorar, não melhora. Mas também não piora, né?
- É... Acho que sim. Que coisa... A minha também não tá lá essas coisas. Tem espaço p'ra mais um?
- Onde? Lá embaixo? Olhe você!
- Bá... É espaço p'ra caramba!
- Pois é. Hmmm... Mas você tem certeza que quer se matar também? Você é tão bonita...
- Tenho, sim. Fui casada há cinco anos atrás, meu marido sumiu de um dia p’ro outro. Hoje não tenho ninguém. E minha vida não presta mais.
- Você é solteira? E aquele homem bonito que entra todo dia na sua casa?
- Ah, é meu irmão...
- Não, não o seu irmão. Aquele loiro, alto.
- É o eletricista. Tem um problema de fiação horroroso aqui...
- Ah, bom.
- Quem vai primeiro?
- Hmmm... Eu tava pensando. Vamos desistir dessa idéia absurda de pular? Nós somos tão jovens, temos muito ainda p'ra viver, não achas?
- Desculpa, agora não dá mais. Você moveu dentro de mim um desejo submerso, sabe? Agora é enterrar minha cabeça no asfalto ou nada.
- Nada!
- ...
- Mas por quê? Você não tem pai e mãe?
- Só mãe. Meu pai morreu atropelado.
- Então? Você não pensa na tua mãe? Poxa! Imagina a cara dela ao saber que a filha que tanto cuidou decidiu desistir de tudo de uma vez só...
- Minha mãe deve estar agora em Acapulco ou no Caribe junto do namorado 25 anos mais moço gastando todo o dinheiro do papai...
- E tu acha que ela não se importaria se tu morresse?
- Acho que não. Foi uma recomendação dela, inclusive.
- Nossa...
- É...
- Tá decidida, então?
- Mais do que nunca.
- Tá bom...
- Mas faz um favor? Tu se importa de pular de mãos dadas comigo? Caso apareça no jornal ou alguma coisa, eu não queria que meu marido achasse que eu estava sozinha.
- Claro. Não me importo, não. Seria uma honra...
- Hahaha!
- Então, vamos lá? No três! Um!
- Dois.
- Dois vírgula setenta e cinco.
- Ai, que sem-graça!
- Tá, três...
(Solano Lucena)
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