Ensaio sobre o Frio
De manhãzinha, abra a janela da frente para a brisa do Porto, e deixe o primeiro raio de sol enganar o dia. A notícia nas folhas de jornais-cobertores será: faz frio. E esse frio faz crueldades, juntamente de sua falange de pestes armadas e da ignorância contagiosa. A tuberculose só não mata a poesia.
O frio entra pela janela do ônibus e sai pela manga da blusa. Estremece a bandeira vitoriosa e seca as lágrimas emocionadas de olhos orgulhosos. O frio mata homem jovem em zona nobre.
Despenteia os cabelos do moço em seu primeiro encontro. Faz a menina pensar em trocar a saia pela calça jeans. Seca as roupas no varal - agora elas poderão ir ao shopping. O frio mata pai de família na periferia.
O frio me machuca os dedos ao escrever. E, ainda assim, insiste em entrar por cada fresta da porta. Assobia de madrugada. E me acorda. Sem chocolate-quente. Sem beijo na boca. Sem roupão de seda. Minha sorte é que no inverno era útero. Eu só nasço na primavera. E o frio também mata criança recém-nascida em postos de saúde.
O frio dobra a padaria, levando o cheiro dos pães e avisando que é dia para quem ainda resiste em se levantar. Sopra o cata-vento do menino, que gira como viva mágica, fazendo-o contente. E, finalmente, chega à casa da pessoa que ama. Até sua cama. Sisudo. E esfria aqueles pés que querias muito esquentar.
(Solano Lucena)
O frio entra pela janela do ônibus e sai pela manga da blusa. Estremece a bandeira vitoriosa e seca as lágrimas emocionadas de olhos orgulhosos. O frio mata homem jovem em zona nobre.
Despenteia os cabelos do moço em seu primeiro encontro. Faz a menina pensar em trocar a saia pela calça jeans. Seca as roupas no varal - agora elas poderão ir ao shopping. O frio mata pai de família na periferia.
O frio me machuca os dedos ao escrever. E, ainda assim, insiste em entrar por cada fresta da porta. Assobia de madrugada. E me acorda. Sem chocolate-quente. Sem beijo na boca. Sem roupão de seda. Minha sorte é que no inverno era útero. Eu só nasço na primavera. E o frio também mata criança recém-nascida em postos de saúde.
O frio dobra a padaria, levando o cheiro dos pães e avisando que é dia para quem ainda resiste em se levantar. Sopra o cata-vento do menino, que gira como viva mágica, fazendo-o contente. E, finalmente, chega à casa da pessoa que ama. Até sua cama. Sisudo. E esfria aqueles pés que querias muito esquentar.
(Solano Lucena)
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