sábado, maio 07, 2005

Caso Blanco

Dia frio. Chuva fina. Céu nublado. Na porta do casarão da tradicional família Blanco, batia um homem de feições sérias e roupas grossas. Sou investigador, disse ele ao mordomo adentrando a casa, faça-me o favor de chamar sua patroa. E guarde meu guarda-chuva, sim?

Seus passos faziam ruídos no chão de madeira. Caminhou como se já conhecesse aquele lugar. Olhou ele fotografias de elegantes homens sobre o pechiché do hall de entrada. Em cada uma dessas fotografias havia uma descrição atrás, Peter Reid, desembargador, 26 de março. Quando descia as escadas uma bela mulher de meia-idade. Loira, sensual e amarrando o robe, ela atraía o olhar do estranho.

- Quem és? E o que queres aqui? – perguntou ela em tom soberano.

- Sou detetive da polícia e quero lhe fazer algumas perguntas, Senhorita Rosemarie – respondeu ele tirando o casaco e o colocando sobre a cadeira.

- Senhora. Sobre? – desceu o último degrau da escada.

- Arthur Blanco – sentava-se n’uma cadeira da sala de estar.

- Meu marido?

- Ex-marido, ele está morto.

Ela parecia lamentar e sentava-se à frente do investigador.

- Já disse tudo que tinha para dizer sobre esse caso – disse séria em voz apreensiva.

- Não, você não disse tudo. Se o tivesse feito, já teria sido desvendado – respondeu acendendo um fedorento cigarro na chama da vela presa ao castiçal.

- Não deverias fumar enquanto estiveres dentro de minha casa, rapaz! – reclamou arrancando o cigarro de palha de suas mãos e o apagando na escarradeira, um cinzeiro improvisado.

- E você não deveria levantar a voz p’ra mim – calmo, entrelaçava os dedos.

- O que vais fazer, me prender? Não podes prender-me por levantar a voz em minha casa – em tom irônico.

- Acredite, eu posso.

Fez-se um silêncio constrangedor na grande e escura sala de estar. As cortinas estavam fechadas, mas as janelas, semi-abertas para um dia descolorido. De uma delas, surgia um gato acinzentado de pêlo aparentemente macio que caminhava até o colo da bela mulher de olhar triste.

- Quando foi encontrado o corpo de seu falecido marido, havia marcas de batom em sua camisa e duas ligações não-atendidas de uma mulher chamada Scarlet em seu celular. Mas, infelizmente, não foi possível contatá-la. A senhorita sabia da existência de alguma outra mulher?

- Não sabia. Mas não duvido. Meu falecido marido era muito de bailar – respondeu acariciando o gato.

Nessa hora, entrou na sala um homem gordo e bigodudo. Vestia um terno branco com um cravo preso à lapela e segurava na mão um copo de líquido incolor.

- Quem é você? – o detetive perguntou ao homem de bigode.

- Michel. – Rosemarie ao agente da polícia.

- Quem é ele? – Michel à Rosemarie.

- Quem é Michel? – o investigador perguntou à senhorita.

- Meu marido – a senhora respondeu ao investigador.

- Marido?

Foram desferidos golpes de chave inglesa sobre o crânio do visitante que rachava, fêmur fraturado que dilacerava a carne, sangue, sangue, muito sangue.

- Charles!

- Madame?

- Limpe essa sujeira, sim? Vou recolher-me para meus aposentos.

- Sim, madame.

Michel era belga, jogador assíduo do Cassino de Monte Carlo, casado pela terceira vez, leitor de Baudelaire e condizente à filosofia do anti-herói.

(Solano Lucena)