quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Estéticas e Mídias

Foi-me dada a tarefa de escrever sobre uma visita minha à Bienal do Mercosul que o Gasômetro conforta. Não tenho certeza, mas acredito ser a segunda ou terceira vez que vou à última das sedes da Bienal, segundo o roteiro construído pelo curador do evento, Paulo Sérgio Duarte.

O Gasômetro me agrada. Por mais que tenha um caráter de desorganização – a interatividade se tornou restrita, os idealizadores não tiveram o mesmo cuidado como em sedes tipo Cais do Porto, Santander Cultural e MARGS, onde toda uma estrutura pedagógica foi pensada -, suas obras são fortes e muitas marcam pela politização.

Essa politização é visível na primeira obra por mim vista nessa visita. O chileno Mauricio Guillen filmou, da janela de seu atelier em Londres, uma guarita. Uma guarita no meio de um terreno baldio. A obra se chama "Night Shift" (Turno da Noite) e mostra um homem que passa doze horas do dia dentro desse lugar. Desse lugar de um pouco mais de dois metros por dois metros. Havia uma faixa no chão ao lado do vídeo. Essa faixa mostrava o diâmetro da mesma. Inclusive, seu nome era "Gate house" (guarita).

Ainda no vídeo, uma música ao piano remete um clima triste de solidão. Foi o que me passou, ao menos. Solidão, falta de perspectiva de futuro. Ao lado do vídeo, havia um segurança. Um segurança que trabalhava doze horas por dia de terça a domingo por um salário inferior ao de um mediador. O segurança não sabia, mas ele quase fazia parte da obra, p'ra mim. Dizia "a arte mostra também o óbvio. E por que não?".

"Work Frame" (Quadro de Trabalho) era a última parte desse belo trabalho do mexicano. Uma fotografia que dá a impressão de ser feita de pedrinhas. Nessa fotografia, o terreno baldio aparece limpo. Não há guarita. Não há lixo em volta - como havia no vídeo. Não há urubus - como também havia no vídeo. Guillen diz, preparem-se para a foto.

Ao sair da obra do mexicano, encontramos a de um brasileiro. Thiago Rocha Pita também constrói uma vídeo-instalação, "Ponte Aérea com Tempo Rodoviário". O registro de uma viagem de avião com duração de 4 horas. O título é irônico, como a obra. Uma ponte aérea, que seria algo prático e rápido, nos é apresentada em 4 horas. Nuvens são projetadas n’uma televisão de tela plana. Como um quadro que, aos poucos, se desconstrói. Descansar em frente à obra é um convite.

Saindo da ironia das vídeo-instalações e entrando na ironia das fotografias, Fredi Casco chama a atenção. Paraguaio, ele reproduz imagens da Guerra Fria de uma forma satirizada. Debocha das cerimônias, dos rituais elitistas, do governo diretamente. É uma série de fotos em preto-e-branco, na qual a que mais me chamou a atenção era a que havia um padre com uma máscara de gás cercado de mulheres da alta sociedade. Questões raciais, hipocrisia, homens idênticos fazendo alianças militares, pouca coisa foge da crítica de Fredi Casco e suas fotografias manipuladas. Mais críticas a seguir com o polêmico Fernando Llanos.

Fernando Llanos é um videoman. Seus equipamentos fazem parte de seu "uniforme de trabalho". Isso até se mostra nas performances e no bonequinho, réplica do artista. O mexicano saiu pelas ruas de Porto Alegre mostrando ao porto-alegrense como o porto-alegrense é. Sua obra é uma mistura de intervenção urbana com vídeo. Ele os projeta em locais diferentes. Recentemente, uma prostituta, que participava de um vídeo seu sobre a Avenida Farrapos, entrou na justiça pedindo indenização por uso indevido de imagem. Segundo ela, não houve consulta do artista para que a imagem pudesse ser veiculada. Veiculada em uma instalação da Bienal. Desde a primeira vez que vi a obra, gostei. Pela ousadia e, principalmente, pela estética do artista. Performático.

De Córdoba, Argentina, "Primavera". Nena, Primavera, Rosário, Sofeador e Mono são cavalos fotografados por Adriana Bustos. Todos eles já estão mortos, diz o texto ao lado. Um vídeo mostra a visão de um cavalo nas ruas argentinas puxando uma carroça. A exploração animal, então, é o tema. Sem o texto ao lado, a obra passa por interessante. Tendo um extra na informação sobre meu olhar, a obra me é uma das favoritas, com certeza.

E, para terminar, a caxiense Diana Domingues brinca com meu afeto pela Pop Art. "I'Mito: zapping zone" é uma instalação de estética kitsch. Madonna, John Lennon, Elvis, Che Guevara, MS DOS, óculos 3D significam muito p'ra minha geração. Ou p'ra mim, especificamente. A brincadeira com ícones é inteligentíssima. P'ra mim, "heróis". P'ro próximo que entrar, ilustres desconhecidos. "Quão universal é um ícone?". No Santander Cultural, obras concretistas são expostas. Franz Weissmann, Max Bill, Carmelo Arden Quin. Nelas, a linguagem é universal. Um quadrado é um quadrado em qualquer lugar do mundo. A Marilyn Monroe... Que Marilyn Monroe?

(Solano Lucena)