Béatrice
Carro preto parava na praça. Gente da cidade grande descia da caravana. Chegava em bando. Homens, mulheres, crianças, anões, cameramans. Viemos fazer um filme! A cidade de mil pessoas, que não tinha cinema nem teatro, os recebia de braços abertos. E tudo era filmado.
A atriz principal era adorada pelos homens de lá. O mocinho do filme havia sido homenageado pelo prefeito, recebendo uma chave de ouro que abriria qualquer porta. Por que ele iria quer entrar em alguma casa de nossa cidade? Sei lá. E o vilão era, mais uma vez, escoltado.
Todos se hospedaram no mesmo hotel, cortesia do prefeito também. Essa é Béatrice, ela lhe servirá enquanto estiverem aqui. Béatrice, cabelos curtos, ruivos, olhos verdes, rostinho de camponesa ingênua, sentava-se à mesa e perguntava em voz doce: do que se trata o filme? O diretor respondia sorridente desabotoando a camisa e mostrando uma câmera para a moça: é sobre você, meu anjo, sobre você...
No poste de luz estava o cartaz, procura-se zumbi para fazer o papel de magrelo com cabeça raspada. Havia uma fila que saía da cidade para fazer o teste. Zumbis de toda parte vieram interessados na fama. O que ganhou era da produção, diziam alguns desapontados com a derrota, para uma câmera ali.
As bailarinas dançavam a música de abertura. Os letrados pensavam o que colocar nos créditos. Os coadjuvantes ensaiavam os onze segundos que apareceriam. E os atores faziam sucesso já, muito sucesso.
No banco, o diretor tomava seu café com os patrocinadores e alguns cameramans.
- Então, vocês têm esse banco há tempo? – perguntou.
- Faz, sim. Era do pai de meu avô - respondeu um homem velho simpático.
- Você é bancário? Tem cara de padre...
- Sou bancário, sim, senhor - respondeu o homem soltando uma gostosa gargalhada.
- Pois, a partir de agora, serás padre, entendeu? Padre! Tens uma cara de padre...
Eis que chega o grande dia, a primeira gravação. Estrada da Colina das Mostardas, nove e meia da manhã. Estavam todos lá com suas bandeirinhas e fotos do elenco. Mas demoraram muito. Será que é normal em filmes o atraso? O prefeito estava impaciente já. Mandou chamar toda a produção do longa-metragem.
Ninguém. Não havia ninguém nos quartos. Nem nos aposentos do hotel. Até a caravana havia sumido. No quarto do diretor, as cobertas estavam todas pelo chão, as cortinas estavam fechadas, as paredes pintadas e havia muitos papéis sobre a cama. Organizados e grampeados. Todos com um insistente título, “Béatrice, o destino é a última escolha de nossas vidas”...
(Solano Lucena)
A atriz principal era adorada pelos homens de lá. O mocinho do filme havia sido homenageado pelo prefeito, recebendo uma chave de ouro que abriria qualquer porta. Por que ele iria quer entrar em alguma casa de nossa cidade? Sei lá. E o vilão era, mais uma vez, escoltado.
Todos se hospedaram no mesmo hotel, cortesia do prefeito também. Essa é Béatrice, ela lhe servirá enquanto estiverem aqui. Béatrice, cabelos curtos, ruivos, olhos verdes, rostinho de camponesa ingênua, sentava-se à mesa e perguntava em voz doce: do que se trata o filme? O diretor respondia sorridente desabotoando a camisa e mostrando uma câmera para a moça: é sobre você, meu anjo, sobre você...
No poste de luz estava o cartaz, procura-se zumbi para fazer o papel de magrelo com cabeça raspada. Havia uma fila que saía da cidade para fazer o teste. Zumbis de toda parte vieram interessados na fama. O que ganhou era da produção, diziam alguns desapontados com a derrota, para uma câmera ali.
As bailarinas dançavam a música de abertura. Os letrados pensavam o que colocar nos créditos. Os coadjuvantes ensaiavam os onze segundos que apareceriam. E os atores faziam sucesso já, muito sucesso.
No banco, o diretor tomava seu café com os patrocinadores e alguns cameramans.
- Então, vocês têm esse banco há tempo? – perguntou.
- Faz, sim. Era do pai de meu avô - respondeu um homem velho simpático.
- Você é bancário? Tem cara de padre...
- Sou bancário, sim, senhor - respondeu o homem soltando uma gostosa gargalhada.
- Pois, a partir de agora, serás padre, entendeu? Padre! Tens uma cara de padre...
Eis que chega o grande dia, a primeira gravação. Estrada da Colina das Mostardas, nove e meia da manhã. Estavam todos lá com suas bandeirinhas e fotos do elenco. Mas demoraram muito. Será que é normal em filmes o atraso? O prefeito estava impaciente já. Mandou chamar toda a produção do longa-metragem.
Ninguém. Não havia ninguém nos quartos. Nem nos aposentos do hotel. Até a caravana havia sumido. No quarto do diretor, as cobertas estavam todas pelo chão, as cortinas estavam fechadas, as paredes pintadas e havia muitos papéis sobre a cama. Organizados e grampeados. Todos com um insistente título, “Béatrice, o destino é a última escolha de nossas vidas”...
(Solano Lucena)
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