sexta-feira, setembro 09, 2005

O Príncipe

Lembro do príncipe, era meu colega, se sentava no fundo da sala, não falava com ninguém na aula. E ninguém gostava dele, claro. Um dia, ele desafiou um professor que queria lhe obrigar a ler um texto. Eu sou um príncipe, não preciso ler essas porcarias. Rasgou a folha na frente do mestre mesmo, que não reagiu.

O príncipe não ria na frente das outras pessoas também. Quando acontecia alguma situação engraçada, ele disfarçava, tapava a boca, olhava p’ro outro lado, mas não mostrava afeição.

Uma vez, no corredor da escola, levantei o dedo p'ra ele, tu não pode ser um príncipe, entendeu? Príncipes não existem mais! E ele não me olhou, continuou andando com a mesma tranqüilidade real de sempre, filho da mãe.

Eu sabia que príncipes não existiam. E queria que ele provasse p'ra mim e p’ros outros que estava certo. Na saída, esperei p’ra ver quem o buscaria. Na frente da escola, todos já haviam ido embora, só o príncipe não. Horas já haviam passado, e o príncipe continuava ali. Eu já pensava em ir embora, talvez o cavalo branco não fosse alado, talvez o príncipe tenha ficado órfão...

Até que um Opala velho pára na esquina e buzina estridente. Mas ele finge que não vê. Um homem gordo e simpático abre a janela e abana para o príncipe, que caminha até o carro. Antes de entrar, ele me olha com tristeza, mas eu estampava um largo sorriso no rosto. Príncipes não andam de Opala por aí, meu querido. Eu estava certo. Foi um sorriso, um sorriso tão espaçoso que fez sua cabeça baixa... Mas logo senti vergonha também. Afinal, o que eu estava fazendo ali mesmo?

Lembro que o príncipe nunca mais voltou naquela escola. E nem eu. Nem eu...

(Solano Lucena)