sábado, julho 09, 2005

23:29, 31/12/05

Ele adentrava a casa e conhecia tudo aquilo muito bem. Aquelas janelas marrons, aquela estante vinda de Portugal, aqueles meninos na foto... Quando ela descia, ele pôde contar, vim passar o reveillon contigo. Ela não era mais a mesma, nem sorriso deu. Fez que sim com a cabeça e foi lavar a louça. Ele estranhou, mas se sentou à mesa e ficou ali perguntando, tio por tio. Ela respondia. Soubera que o tio Dalton morreu de Aids e que ele era viado. O tio Cláudio fugiu com a empregada e deixou mulher e filhos sem nada.

Foi quando ele perguntou da sua irmã caçula, Martinha, ela desligou a torneira. Secou as mãos. Olhou-o de uma forma séria e pediu para que aquele nome não fosse mais mencionado naquela casa.

Ele estava sereno. Olhava para cada canto com uma curiosidade ímpar. Como essa casa sobreviveu tanto tempo? Ela lhe perguntou o que fazia. Como fazia. Onde fazia. E se não era perigoso vasculhar a conta do banco de homens poderosos de Brasília. É, sim, mas é o que eu faço.

Na parede, uma lagartixa percorria a sala até o armário da cozinha. Ele acendeu um cigarro. Ela fumou também. Disse que sentia falta dos primos. Disse que domingo era um péssimo dia, o mercado não estava aberto. Disse que o Guga nunca mais voltará a ser o que era. Tu acha que a bolha desse pé é normal? E levantou aquele pé de velha na altura do peito.

Passaram horas falando sobre nada. Matavam a saudade de uma forma estranha. Mas espera! Que horas são? Não tem relógio nessa casa. Então, vou ver no carro. Caminhou emocionado até lá fora. O carro estava no meio da grama alta. Ratos e cobras passavam por ali, era próximo a um banhado. Um banhado que não existia quando ele era criança. Voltou com uma garrafa de espumante. São onze e meia, mãe!

- Onde você vai?

- Eu vou dormir. Não agüento mais.

- Mas é reveillon, mãe!

- Ah, não, filho, não dá. Feliz 1989 p'ra ti. E vê se me arranja um netinho logo, né? Boa noite.

(Solano Lucena)