sábado, julho 09, 2005

Depois do Chaves

A primeira coisa que todos faziam quando chegavam na escola era deixar a mochila num lugar determinado onde, depois que batesse para o sinal de entrada, as professoras iriam buscar seus alunos em filas. Minha mãe era nova e me levava para o colégio de bicicleta. Eu era um dos primeiros a chegar sempre, colocava minha pasta naquela fila de mochilas e saía. Não me lembro para onde ia, talvez procurar amigos ou buscar um buraco para enfiar minha cabeça como aquele bicho engraçado que via nos desenhos animados, não lembro direito. Só lembro que, ao chegar, minha pasta não estava mais ali. Depois de muito procurar, a achava no meio do pátio já vazio, tinha sido pisoteada. Estava suja de areia e tinha as marcas dos tênis de quem provavelmente fez aquilo. O lanche, que ali dentro havia, se tornara migalhas. O cantil de suco ou de Nescau vazava pelos meus cadernos nojentos. Nojentos de tão amassados, nojentos de tão imundos, nojentos de tão humilhados, nojentos de tão vazios, nojentos de tantos desenhos inúteis.

Eu tinha uma certeza, gostava de desenhar. Escondia-me atrás da escada do colégio e cabulava aula. Desenhava no fundo do caderno. Esse fundo logo iria encontrar a metade, essa metade logo encontraria a matéria escrita com péssima caligrafia. Logo minha mãe seria chamada no colégio.

Minha mãe não era muito chamada no colégio, ao contrário, ela ia mais por vontade própria. Ela tinha vontade de ver o filho, que chorava em casa para não ir à aula, feliz. Desde minha creche ela vai reclamar da instituição. Nunca gostei da minha creche, eu era obrigado a comer sagu lá. E diziam que se eu vomitasse, teria que comer tudinho do prato.

No colégio, as orientadoras sugeriram que eu procurasse um tratamento psicológico. Acho que fazer o menino que me batia parar, era muito difícil, talvez ele fosse um super-herói ou filho do dono do colégio. Acho que a segunda opção é mais fácil de ser verdade, porque se ele fosse um novo super-herói: (1) eu seria um vilão, porque ele batia em mim, e (2) eu saberia, porque conhecia todos os heróis que passavam na televisão. E ele não era um. Ao menos, não na minha tevê.

(Solano Lucena)