sábado, julho 09, 2005

Sexy

Era mais uma manhã como todas as outras. Senhor Mathias se senta na rede da varanda para ler o seu jornal rotineiro. Arruma o mate dentro da cuia. Como de costume. Pede para a Senhora Matias trazer a garrafa térmica. Como o faz diariamente toda manhã. Sem surpresas. Sem grandes surpresas. Seria assim, se ele não houvesse se deparado com uma grande bunda na capa do jornal.

Tudo começou no começo de tudo. Deus, muito cansado de criar animais sem sentido e depois extingui-los, criou o homem com um prazo de validade já acertada. Você pode brincar de Deus à vontade, Eu só quero ter cobertura completa em Minha onipresença.

Seu nome seria Adão para que ficasse evidenciada a grandeza de sua criação - um homem no aumentativo causaria inveja até no Diabo. Alguns anos depois, exausto de tanto assistir cenas bizarras de erotismo, Deus cria uma fêmea para a raça de Adão a partir de uma costela do mesmo, a primeira mulher da história, Eva de Adão. Dizem as más línguas que ali surgira o diálogo. Ou não.

Situação: homem faz grunhidos estranhos com a boca. Mulher considera aquilo, realmente, muito sexy. Eles fazem amor a noite toda. Ele era o único homem do mundo.

E eis que, o que era paraíso, virou história... No Evangelho.

Muitos e muitos anos mais tarde, já em 6 bilhões de Adões e Evas multicoloridos, o homem que representava Deus condenaria o preservativo. Deus, então, estava a favor da superpopulação e contra o combate ao vírus HIV. Deus estava contra um continente que sempre sofreu de discriminação. Deus estava contra seus astros que faziam campanhas de incentivo à camisinha. Deus estava contra a mulher que decidira não ter mais filhos, dom que Deus exclusivamente ofereceu-lhes como uma bênção. A escolha.

Deus, não. O homem que o representava. Deus teria se afastado do homem após a descoberta de Adão e Eva: Eva e Adão. Descoberta que o homem que o representava nunca poderá ter. Morto. Mas outros homens estavam em situações diferentes. Situações bem melhores.

Situação: homem faz grunhidos estranhos com a boca. Mulher, já independente, tem o direito de escolher... Ele era o último homem do mundo.

Situações nem sempre tão melhores. Mas o último homem do mundo tinha outras opções de lazer. Televisão, por exemplo. Ligara na novela e... O sexo tomava o que era só entretenimento.

Betina tinha seis anos quando ligou a televisão. Quando entornas teu corpo em meu, desejo-te imensuravelmente. Teus lábios salientes me chamam como em um atrativo jogo de sedução. Pego-te como se fosse a última vez. Entre meus braços viris és fidelidade. És para mim único destino. Betina tinha 16 anos quando disse foda-se à televisão.

O sexo tomava a arte. E a arte tomava o entretenimento.

(Poema Introduzido)
Girls, gatinhos e gays.
Gatinhos, gays e girls.
Gays, girls e gatinhos.
Capricho,
MTV
E American Pie.
Ponto G,
Ponto H
E o xis da questão.
G de gente,
X de Xuxa
E H de Comunicação.

E o sexo tomava a curiosidade. Que tomava a arte. Que tomava o entretenimento. A curiosidade, então, era multinfluenciada.

Tiravam suas roupas. Beijavam-se deliciosamente. Brincavam. Boca na boca. Boca no pescoço. Boca no dorso. Boca na boca. Boca no sexo. Sexo no sexo. Sexo na calça. Olhos nos olhos. Nojo nos olhos... Figurinhas repetidas.

Por fim, o sexo tomava a informação. E a informação tomava a sexualidade. Essa antes negada, em tempos remotos. Sexo seria conversa. Sexo seria atitude. Sexo seria a unidade monetária do século 21. Sexo seria não fazer amor.

Era mais uma manhã como todas as outras. Senhor Mathias se senta na rede da varanda para ler o seu jornal rotineiro. Arruma o mate dentro da cuia. Como de costume. Pede para a Senhora Matias trazer a garrafa térmica. Como o faz diariamente toda manhã. Sem surpresas. Sem grandes surpresas. Seria assim, se ele não houvesse se deparado com uma grande bunda na capa do jornal.

Estranhou, claro. Folheou e viu que tinha partes femininas por toda parte. Seios, vaginas, coxas, pés, axilas (deve haver um nicho de mercado para as axilas)... No fim do jornal, o rosto de uma linda moça lambendo seus lábios, com os dizeres acima: “Quer? Vem pegar!”. Ah! Aquilo não era admissível para ele. Não para ele! Ligou imediatamente para cancelar a assinatura daquele jornal nojento e despudorado.
- Serviço de Atendimento ao Assinante Folha da Manhã, como posso ajudá-lo?
- Eu quero cancelar já essa pouca vergonha! Esse jornal perdeu o senso de realidade! Assino a Folha da Manhã há 30 anos e nunca vi algo assim. Um absurdo!
- Seu nome?
- Matias.
- E como tu tá vestido, Matias? Hmmm... Quer se excitar?

(Solano Lucena)