quinta-feira, junho 02, 2005

Os Sonhos da Dona Vinha

Praia, férias, eram cinco ou seis horas da manhã, o dia nascia bonito e ainda fazia aquele friozinho gostoso, bom de ficar demorando embaixo das cobertas... Até que eu ouvia os passos da minha mãe vindo até o meu quarto. Vai buscar leite e farinha p'ro sonho, e agora! Que que era isso? Eu reclamava, claro, ameaçava, óbvio, me revirava, mas sempre acabava indo... Com a pior cara de sono possível, uma calça de moletom furada, um par de havaianas e um par de meias que não fazia par. Essa era a receita da manhã.

Minha mãe fazia sonhos na praia. A gente acordava junto com o sol, quase todos os dias. E, na volta do mercado, eu não tinha mais sono, me sentava ao lado da mesa. Ficava tomando nescau e olhando a minha mãe preparar a massa. Batia, sovava, socava, pegava o rolo e deixava ela fininha como a toalha de mesa. Aí, ela usava os copos de requeijão p'ra separar a massa em círculos. Um por um. E eles ficavam redondinhos redondinhos, incrível.

Enquanto isso, eu explicava p'ra ela onde era o décimo planeta do sistema solar que eles haviam descoberto. E ela me contava sobre as roupas que ela bordava quando tinha a minha idade. E eu dizia tudo o que eu sabia sobre os países da União Soviética. E a gente planejava juntos como seria a nossa viagem p'ra Rússia...

Depois, minha mãe recheava os sonhos de várias coisas. Chocolate, banana com canela, doce-de-leite, goiabada, creme de maçã, melado, creme creme mesmo. Isso depois dos nossos sonhos serem fritos. Nós organizávamos eles nas cestas, sabor por sabor.

Eu pegava um sonho p'ra quando voltasse, e a gente saía pelas casas da praia vendendo, eu e a minha mãe. Não vou esquecer tão cedo de como as pessoas ficavam contentes quando chegávamos. Nosso sonho era bom. E a gente andava duas ou três quadras e já tava vazia a cesta. Só sobrava o açúcar que eu lambuzava os dedos comendo. A minha mãe ficava feliz quando a gente conseguia ganhar dinheiro com nossos sonhos. E, se ela ficava, eu também ficava. A gente era uma equipe. E isso era p’ra sempre.

- Amanhã tu me acorda bem cedão, tá, mãe? Temos muito trabalho a fazer.

- Claro. Pode deixar...

(Solano Lucena)