sexta-feira, novembro 10, 2006

A Saga da Floreira

As flores amam o vaso sanitário. Não o vaso floral, as flores amam o vaso sanitário.

As flores saem perfeitas da floricultura. E como chegam? Algumas despetaladas, outras murchas. Culpam o motoqueiro, a loja, o clima, o olho grande da ex. Mas a culpa, a culpa é da própria flor.

A flor foi feita p'ra ser bonita, mas não p'ra ser amada. Ela gosta que a joguem no vaso e puxem a descarga. A flor torce para que a mulher que a receberá não goste do cara que mandou.

O vaso não-sanitário é bom. Confortante, mas quem disse que flores precisam disso? Flores gostam de aventuras, como a patente do banheiro público. A mulher se descabelando de raiva e mandando o cara p'ra puta-que-pariu e afogando o buquê naquela água suja de vômito de bêbado. Aí, ela puxa a descarga e entope os canos. Assim.

Fodam-se os canos também, as flores são masoquistas, é no Arroio Dilúvio que elas se sentem bem, na imundice do Guaíba. E essa imundice beira a Ilha das Flores.

(Solano Lucena)

O Refrão

Você era harmonia, você era melodia, uma clave de sol que brilhava no céu da boca do cantor que alegremente cantava essa canção.

E eu. Estava no encarte. Era somente a poesia... À procura da palavra certa que complete esse refrão.

(Solano Lucena)

Analogia

Meu coração é um óvulo. Não é porque tu chegou primeiro e bateu forte, que vai fecundar outro ser aqui dentro.

(Solano Lucena)

Bat-encontro

licamiguxa@hotmail.com escolheu os brincos de estrelas que ganhou de aniversário. O guarda-roupa era, basicamente, o da irmã mais nova, ela nunca foi muito de se produzir. Estava nervosa. Até derramou chá gelado na mesa, cuida que mancha. Estava nervosa, conheceria julio_ccm@hotmail.com, o homem de seus sonhos.

Onze horas na mesa onze do Onze e Meio. Como chegara mais cedo e tinha alguém na mesa escolhida, sentou-se numa que desse p’ra ver quem ali entrava, enquanto reparava no rapaz da mesa prometida. Era um menino, ele assobiava feliz uma música que ela conhecia, tinha uma rosa champanhe na mão, brega, brega, estava esperando por alguém. Poderia ser ele, mas, como não se parecia em nada com as fotos do álbum no Orkut, nem desconfiou.

O garção já passara por ela quinze a vinte vezes. Já estava deprimente. O tempo foi passando. Via que o cara só podia ser aquele mesmo que assobiava. Que não era bem o que ela esperava, que nem, ao menos, era bonito. Resolveu ir prontamente embora dali, até que, ao sair, um homem pelo esbarrão se desculpava. Loiro, alto, Medicina na federal, pensava ela que era seu príncipe encantado, que estava em estado vibracional com aquele homem à sua frente. Resolveu levá-lo consigo, vem que eu tenho uma idéia de como ser feliz.

Foi feliz e, quando acordou, via uma criança ranhenta de cabelos claros sobre sua barriga. Queria dizer que o Junior lhe bateu no lado da bacia, aqui, ó! Logo apareceu outra criança, essa maior, com a boca inchada, dizendo que não foi ele, que ele não era covarde. O homem aquele estava ao seu lado e pedia silêncio. Ela o olhou novamente. Não era mais um príncipe encantado... Tava mais p’rum pançudo charretista.

Ela resolveu levantar daquela cama. Pisava em brinquedos jogados no chão. As paredes estavam (mal) pintadas de giz de cera. No quarto, o homem gritava, como que se desculpasse: comprei os teus pães! Na sala, as crianças traziam uns cartões com suas mãos ali representadas, feliz Dia das Mães, mamãe. Recebia beijos melados de pirulitos e danoninhos. Na pia, uma louça se acumulava. Ao pensar em comer alguma coisa, abriu o armarinho para verificar se o pão era mesmo aquele que gostava.

- E onde é que está meu pão de centeio?

Os três fizeram um cúmplice silêncio.

- Ai, isso só pode ser praga daquele feio!

(Solano Lucena)