sexta-feira, julho 28, 2006

Sol

A cidade que eu te vi nascer é essa. Tu fizeste brilho. Foste a coisa mais linda que aconteceu naquela manhã. E eu me enchi de felicidade por aquilo. Agora tudo será mais claro, mais caloroso e mais seguro. Espero sinceramente que nunca mais nos abandone.

Tempo.

Ou que volte em breve, senhor compromissado.

(Solano Lucena)

Eu nunca voei

Ele está na merda e pensando bem alto.

Talvez eu possa voar agora. Por que não poderia? Talvez eu possa voar. Foram tantas as desilusões e as lágrimas, foram tantos os pecados e as condenações, as misérias e as conseqüências, as preguiças e minha inércia, que alguém irá me retribuir com um vôo. Um vôo só. Ah, não é demais. Enfim... Se Deus é justo, então eu poderei voar!

E assim, como um delinqüente, ele se prepara para o vôo na janela, não olha para baixo, já conhece bem o que há p'ra lá. Faz um gesto como se fosse uma preparação habitual - embora não haja habitualidade ali. Afinal, ele nunca voou. Ninguém nunca voou. Nem irá voar. Nunca. Jamais... Suas pernas estão pregadas no chão, esperando sua cabeça, que não voa, cair do pé, de tão madura.

(Solano Lucena)

Retrato

A sua foto é assim: você está deitada na cama, vestida, olhando para a câmera. Bem vestida, inclusive. Tão vestida que teu olhar sensual me causa fantasias. As poucas roupas poderiam me deixar sem o que imaginar. Embora eu duvide.

A foto não tem cor nenhuma, as cores são subjetivas. Tu sabe que eu a coloro sem nem perceber que faço, né? Pois é, eu sou assim.

A textura da fotografia é bem interessante. Ela está na cama, ela está na pele, ela está nos teus lábios, ela poderia me absorver para dentro dela, de tão vazia. Texturas são um perigo, ainda mais quando nossa intenção é ser feito de algodão em quadradinhos de papel.

Os contrastes não são tão interessantes. De um lado, eu caminhando por uma rua sem saída com uma fotografia sem cor na mão. Do outro, você deitada onde eu realmente não importaria de agora estar. O contraste perfeito é um fado, um violeiro que ganha com uma canção a princesa lisboeta em um conto de fadas. Contrastes em um livro de gravuras.

A idéia da foto também não é boa. É você. Olhando para mim. Do mesmo jeito que olha em todas as fotografias para todas as pessoas. Você tem um silêncio ao seu favor e esse silêncio é quase uma ordem.

Por mais incrível que pareça, o melhor dessa tua foto aqui sou eu.

Se tu soubesse como eu te deixo tão bonita em retratos...

(Solano Lucena)

Roteiro de um filme B

- Acho que só tenho uns três mil cruzados no bolso.

E mostra as moedas antigas.

- Tu sabe que isso não serve p'ra nada, né?

- Como assim?

Recolhe as moedas.

- Hmmm... A moeda é outra, cara. Estamos em 2007.

- Em 2007? Oh, não! Acho que estou perdido no tempo...

(Solano Lucena)

terça-feira, julho 18, 2006

O velho tosse

O velho tosse na varanda
Nuvens negras trazem chuva
Chuva
Chove o dia todo
E o vento traz a onda
Que embaça a vista
Velha
Vendo o vento
A velha põe um manto
Sobre um homem santo
Velho
Horizonte é o ponto
Que começa o céu
E termina o mar.
O ponto exato
Onde teus olhos podem descansar.

(Solano Lucena)

O Silêncio Edukador

Silêncio é uma palavra de diferentes significados e interpretações. Para alguns, angústia, um vazio, uma ausência. Para outros, um luxo.

Estranhos tempos. O silêncio é considerado um luxo, nos dias de hoje. O cotidiano é bombardeado de sons, músicas, jingles, locuções, palavras de comando, telecomunicações, abordagens, alarmes, ruídos de motor, sirenes, buzinas e sinais de alerta. O cotidiano é bombardeado pelos sons que precisamos escutar. Pelas imagens que necessitamos ver. Pelas sensações que devemos sentir. Pelas promoções que não podemos deixar de conferir.

Mas o silêncio, não. O silêncio está na outra ponta. Num outro tempo. No momento onde optamos por nos abster de toda e qualquer necessidade atual. É um tempo onde podemos nos ouvir e onde podemos nos encontrar. Ele é sincero. O silêncio significa estar sendo cru, sem palavras de consolo ou moral da história. E isso, realmente, pode ser angustiante.

Em produções audiovisuais, a crueza que o silêncio proporciona é explorada a fundo. Filmes comerciais ou realizações cinematográficas utilizam o silêncio como uma arma que desenvolve a dramaticidade ou a seriedade da cena – inclusive, estão se tornando freqüentes também cenas que não trabalham com o visual, apenas com o áudio. É quando o diretor procura aguçar outros sentidos junto ao público, descartando aqueles antes imprescindíveis.

Escolhi um filme alemão do ano de 2004 para me focar melhor nessa idéia de utilização do silêncio em produções audiovisuais. Esse filme alemão se chama "Edukators". "Die Fetten Jahre Sind Vorbei", título original.

Edukators é um filme bastante importante para mim. Pelo seu conteúdo político, pelo seu formato alternativo, pela sua linguagem juvenil. Político, juvenil e alternativo, o filme me apareceu no momento onde minha cidade abrigava o evento perfeito para que cada um desses conceitos existisse, um Fórum Social Mundial. E esses conceitos não me abandonaram até hoje.

Trata-se da história de três jovens idealistas (Jan, Jule e Peter) e a busca pela propagação de suas idéias contestadoras. Jan e Peter são grandes amigos e formam um grupo de protesto chamado Os Edukadores. Peter e Jule são namorados. Jule e Jan não se conhecem direito. E todos mantêm seus ideais esquerdistas na ponta da língua.

Como forma de protesto, Os Edukadores invadiam secretamente algumas das maiores mansões da Alemanha e mudavam os móveis e a decoração das casas de lugar. Mudavam os móveis e a decoração das casas de lugar sem roubar ou danificar nada. Deixando ali somente um aviso. Um envelope. "Liest", leia. Dentro desse envelope, frases de protesto. "Você tem dinheiro demais” ou “Os seus dias de fartura estão contados". O êxito da operação é ver o resultado no caderno policial de jornais diversos de seu país.

Quando Jan confessa essas ações para Jule, ela o questiona sobre o porquê disso e ele, de forma sucinta e racional, lhe diz que o maior terrorismo é o terrorismo psicológico e sorri ao imaginar um desses grandes magnatas em uma fila de banco com uma frase ecoando em sua cabeça, você tem dinheiro demais. Você tem dinheiro demais. Uma das cenas mais incríveis da obra.

A trama se desenrola quando Jule resolve participar de um desses protestos. Junto de Jan, age como se fizesse parte d'Os Edukadores, invadindo a casa de um dos homens mais poderosos do país e detentor de uma antiga dívida dela. Mas eles acabam cometendo um erro grave, esquecem o celular da moça na casa. No dia seguinte, quando voltam ao local para rever o aparelho, se deparam com Hardenberg, o dono da mansão. Não há música para esse momento.

O silêncio é um grande aliado para os momentos de tensão de Edukators. Não apenas pelo texto que é bastante forte e questionador – já que trata de diferentes pontos-de-vista de inúmeros problemas sociais –, mas também pela condução minuciosa da narrativa. O próprio início do filme mostra bem isso. O primeiro minuto inteiro é silencioso. Câmeras de segurança mostram uma casa com mesas de cabeça para baixo, estatuetas na piscina ou sofás empilhados um sobre o outro. Até que uma família bem arrumada abre a porta e se depara com sua casa naquele estado. Depois de notarem que está tudo ali, o filho encontra um envelope que o pai abre e lê. Entra uma música rápida e forte.

No filme, a idéia política, juvenil e alternativa não está só no enredo ou na fotografia, também está na trilha sonora. Trilha sonora. Uma trilha sonora é construída por músicas escolhidas ou compostas para ilustrar um objeto cinematográfico ou um programa televisivo. Em Edukators, grandes nomes do rock alternativo (ou indie-rock) estão presentes, como Depeche Mode, Placebo, Nada Surf, Jeff Buckley, Franz Ferdinand, entre outros.

A música que aparece nessa abertura e, posteriormente nos créditos do filme, se chama “Gemini”, de uma banda norte-americana chamada One Inch Punch. Vinhetas modernas e caracteres despojados casam perfeitamente com o som da banda que mescla um estilo punk rock com batidas eletrônicas agressivas. Fórmula essa que é utilizada por outros nomes da trilha.

O gosto musical dos protagonistas também é exposto no filme, e podem os unir ou os distanciar, como o beijo que acontece entre Jan e Jule depois de descoberto a mútua admiração pela carreira solo do guitarrista Jeff Cole. Ou também a briga entre os dois Edukadores por ter um deles posto a todo volume uma música de industrial, enquanto o outro estava na cama com a namorada.

Mas voltando à narrativa: ao se deparar com Hardenberg, o dono da mansão invadida, o bando resolve seqüestrar o homem, levando-o até uma casa de campo, um lugar onde estariam a salvo da polícia e onde o silêncio predominaria. Para eles, naquele momento, um luxo.

Nessa casa de campo, os quatro vivem situações marcantes no script: um triângulo amoroso, uma convivência pacífica entre seqüestradores e refém, uma fotografia completamente diferente da antes moderna e urbana, discussões sobre o futuro, da economia, do país, dos subdesenvolvidos, da vida, dos três, do milionário. Nessa parte do filme, o silêncio predomina. Um silêncio desconfortante que salienta as pequenas ações e olhares dos personagens. É onde “Edukators” se torna sério, torna-se um drama psicológico e deixa de ser uma aventurinha modista.

Desentendimentos acontecem, Jan e Jule assumem um relacionamento e Peter se vê desolado. Os dois brigam e Peter decide por abandoná-los, embora depois retorne bêbado. Essas cenas contrastam com os acordes bonitos de guitarra e também com os versos de uma música de Jeff Buckley que resolvi traduzir e a seguir transcrever.

"Bem, talvez haja um Deus lá em cima, mas tudo que aprendi sobre o amor foi em como atirar na pessoa que te desarmou. Não é um choro que você pode ouvir de noite nem alguém que viu a luz, é um frio sofrido. Hallelujah". Dez minutos de "Hallelujah". Música lenta e harmoniosa que também cria o clima de arrependimento.

O silêncio aparece mais uma vez como personagem no final do filme. Edukators termina com os três personagens centrais acordando em um quarto de hotel. Silencioso quarto, lençóis brancos, luxo. E, na próxima cena, eles planejariam desligar as antenas de TV da cidade onde estão hospedados. Silenciar as emissoras locais. Promover sua ideologia. Sem palavras. O silêncio é educador, é um vazio, é uma ausência. Afinal, não se pensa em como conquistar algo quando já se tem tudo.

(Solano Lucena)

Nomes

Sua companhia lhe fazia bem. Ao menos, pensava assim. Era como se pudesse reinventar o dia, seu sorriso era o sol e o nome dele tinha um significado.

Se o olhar contente lhe fazia melhor, olhava-o e dizia qualquer coisa. Qualquer coisa. Poesia. Tudo para ele. Seu nome estaria em seu caderno. Um poema. Tudo para ela. E seria eterno.

E, na porta de sua casa, saberia como espalhá-lo à vontade. Amor. Pedaço por pedaço. E a rua, então, se encheria de pedrinhas de brilhante. Para que simplesmente pudesse passar. Com aqueles sapatos de boneca. E aqueles passos de bailarina.

(Solano Lucena)

A primeira nota que entoa

A primeira nota que entoa
Silencia quem não ouvia
Os apelos do lugar

Cessam-se as luzes
E, por detrás de uma seda branca, surge
O anúncio de espetáculo que irá ali se desfrutar

Como mágica, uma menina agiganta-se a cada metro
E faz, daquele pouco palco, uma casa p’ra morar

Não há limites ou paredes
Pisa sisuda, seu chão é o céu
Tudo é música, poesia e deleite
E seu nome estava escrito num papel

Nome num papel

A última nota que soa
Soa ecoante e certeira

N’um instante, fecham-se repregadas cortinas
Dá-se fim, então, o recanto das bailarinas
Contando-nos que o espetáculo morreu,
Como morre o dia todos os dias,
no cansaço que o escondeu.

(Solano Lucena)