terça-feira, janeiro 17, 2006

Mais um dia que passou e você nem viu. Sabe qual é a minha maior preocupação? É quando você chegar a ser eu, como vai reagir. Você se ocupa com coisas insignificantes. Tudo bem, talvez elas até possam te trazer um futuro, sim, mas, por enquanto, elas só te consomem os dias. E um dia você vai sentir falta, quando seu corpo adoecer por inteiro, a solidão se instalar ao seu lado e só te restar as lembranças. Mas por que pensar nisso, não é mesmo?

(Solano Lucena)

Chuvoso

Chove. Dentro e fora de mim. Mas o vento varre tudo para o lado de dentro.

Não. Não faça isso. Leve a chuva até a casa de quem quero, refresque seus dias e pergunte a ela porque eu estou assim, tão... Chuvoso.

(Solano Lucena)

As Aventuras dos Cinco Porquinhos

Porquinho 1 (fumando um Marlboro vermelho): Cinco porquinhos!? Mas nós somos três porquinhos só!
Porquinho 2: É verdade! Quem é você?
Porquinho 4: Eu sou o Dartagnan.
Porquinho 3: E você, porquinho magrinho da casinha imaginária, quem é?
Porquinho 5: Eu sou o autor do texto.
Porquinho 6: Ah, bom...

(Solano Lucena)

About Me

Eu? Eu sou eu mesma.

Eu aconselho. Eu consolo. Eu peço calma. Eu sou um pouco trágica. Eu compro. Eu vendo. Eu financio. Eu sou muito prática. Eu choro muito. Eu rio alto. Eu bato palmas. Eu sou bastante enfática. Eu imploro. Eu perdôo. Eu acaricio... Eu, a dona da tática.

Eu acredito mesmo, ter razão é o mais apreciável direito que Deus me deu – eu sou a lógica. Eu falo muito em primeira pessoa. Uns chamam pretensão, eu chamo de amor próprio. Eu, bastante cética. Eu, quando linda, sou muito chata. E como chata, sou terrível. Eu sou bem crítica. Eu acho que ser como a maioria, é mais fácil. Eu sou, simplesmente, dialética.

Eu tenho facilidade em trazer sorrisos. Eu tenho dificuldade em levá-los de volta. Eu sou quase mágica. Eu sonho muito. Ou estou dormindo, ou estou sonhando. Eu sou romântica. Eu sou um eterno conflito dentro de mim. Eu sou uma música.

Eu não suporto futilidade. Ela emburrece. Ela distancia. Ela exclui. Ela tira muitos assuntos da minha boca. Ela tira muitas pessoas da minha volta. Eu sou didática. Eu torço pelo mundo de todo mundo. Eu quero que você seja feliz consigo mesmo e acredito em seu plano. Largá-lo pode ser retroceder – eu sou muito democrática.

Eu amo a vida. Eu amo os vivos. Eu sou exatamente lúcida. Eu sou extremamente cínica. Eu sou aquilo que não quero parecer. E sei que não sou tão diferente assim de você.

Eu tento ser eu mesma o tempo todo.

(Solano Lucena)

About Me (2)

Eu sou a coletânea dos meus maiores sucessos.

(Solano Lucena)

A Explosão na Casa de Dona Aurora

As janelas, todas elas, estavam fechadas. Era um silêncio. Chegou cedo, onde estava Aurora? Eram seis horas, já devia ter saído. Encontrou a chave no fundo da pasta. Entrou pela porta que o tapete arrastava. A casa estava uma bagunça. Camiseta do filho pelo sofá. Jornal de anteontem pelo chão. Ventilador ligado. Maldito clima.

As janelas, todas elas, estavam fechadas. E aquele silêncio. Na pia, as panelas. Sujas, desde que saiu. Lavou as panelas. Abriu as janelas. Pôs as roupas do filho no quarto do filho. O jornal de anteontem no cesto de lixo. O ventilador voltado para si. E a fotinho d'Aurora fez um sorrir. A casa já tinha cor, cheiro, som. O amor era o clima e o clima era bom.

Até se abrir a porta do quarto. Essa não arrastava o tapete. Não fazia ruído. Só levava ao paraíso: a cama d'Aurora. Que dormia com outro. Aliás, bonito o outro. Moreno, alto, magro. Ele não quis incomodar, saiu de mansinho. Fechou a porta que não arrastava o tapete, que não fazia ruído, que só levava ao paraíso. Fechou a porta e os deixou dormindo. O clima já era incolor. Era inodoro. Silencioso. Silencioso. Até que a rua inteira ouviu um imponente estrondo. Bum! Sua primeira lágrima cai ao chão.

(Solano Lucena)

domingo, janeiro 15, 2006

Sapatos

Para calçar os sapatos do meu amor, é preciso se ver distante. É preciso caminhar junto. É preciso caminhar junto e socorrer a dor quando o amor desatina a doer. Como calçada, meu amor teima em não ser pisado.

Para calçar os sapatos do meu amor, é preciso esquecer. Esquecer do amor. Da intenção. Esquecer o querer de calçar seus sapatos. Sapatos bonitos, diga-se de passagem. Mas não diga a ele, amores vaidosos não se consomem com elogios.

Para calçar os sapatos do meu amor, é preciso entender. Meu amor não tem pés. Ele não rasteja pelo chão. Ele também não paira sobre outros amores. Não. O meu amor está estático, onde nunca parou e nunca começou.

(Solano Lucena)

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Acorda, porra!

Acordou com aquela ressaca. Fez um chá e vomitou na pia da cozinha. Olhou no espelho e pensou que ia morrer. Imbecil. É muito cedo.

Na noite anterior, conheceu Lu. Bonita, falava bem, sorria bastante, legal. Uma vagabunda. Até agora ele não sabe onde enfiou a carteira.

Talvez se abrisse o chuveiro, um banho gelado iria bem... E aquele cara que levou ela p'ra casa? Cada dia se convencia mais que a única mulher que prestava era sua mãe. E porque estava morta.

Psss... Parecia o Tintin com aquele topetinho ridículo... Ah, esquece. Maldito vômito, sujou toda louça. Dane-se também. Quem precisa comer? Sentou na rede e esperou alguma coisa acontecer. Choveu. Volta para dentro.

A televisão. Há quanto tempo não via televisão? Ligou e... Uma bosta. Nada presta. Nem na novela. Nem na das oito. Aliás, que horas eram? Dez. Ele perdeu o dia todo por causa de uma ressaca. Perdeu o dia todo na TV. Perdeu a carteira também. Perdeu a fome. Perdeu a Lu para um idiota. Perdeu o respeito pela mulher que conheceu. Mas ganhou experiência para o próximo porre. Hahaha! Palmas.

(Solano Lucena)
Choro. Vindo do quarto. Abri a porta e me vi deitado. Soluçava. Falava da minha sorte. Só.

(Solano Lucena)

Meu Sonho

Sonhei contigo essa noite. Sonhei que tu tinhas sonhado comigo e no meu sonho tu vinhas me contar. Tu vinhas me contar teu sonho e meu sonho fazia parte dele. Sonhei que teu sonho se encaixava no meu e nós sonhávamos juntos por aí. Sonhei que, se meu sonho fosse injustamente anexado ao teu, meu sonho seguiria sonhando para sermos, juntos, o principal sonho do verão.

Meu sonho era como a realidade, mas em sonho, sabe? Você se preocupando em me contar os teus e eu sonhando com cada delírio das tuas noites. Tuas noites. Eu sonhei contigo essa noite e não acordei nunca mais.

(Solano Lucena)

Por quê?

Ele estava sentado em uma mesa do saguão do shopping center. Fazia? Nada. Estava esperando alguém que talvez não merecesse ser esperado. Uma menina. Menina mesmo, fazia coisas de meninas, morrer, morrer, acordar e ir p’ra escola. Haviam marcado a espera, em uma mesa do saguão do shopping center.

Coisas do coração ele fazia. Estava ali por destino ou talvez por teimosia. Ela chegaria da escada rolante, iria sorrir, puxaria uma cadeira e sentaria à sua frente. E ele não deixaria de esperá-la. Menino...

Escrevia uma carta, enquanto esperava. Na carta, dizia que estava ali. Dizia como seria bom conhecê-la. Dizia o que esperava que acontecesse se não acontecesse nada. Dizia algumas coisas de menino. Coisas do menino que o tempo não superava de jeito algum. Coisas que o menino há tempos esperava dizer:

- Menina,...

Bebia água mineral, enquanto esperava. Água para secar a ansiedade. Água incolor para dar vida. Vida para quê? Vida para que?, se ela não viria. A água, na verdade, era só o pretexto para se levantar e ir embora quando a garrafa estivesse vazia.

(Solano Lucena)

Space Invaders

Minha vida começou com um jogo chamado Space Invaders. Poucas instruções, respire fundo e start. "Faça o melhor possível, campeão". Space Invaders era um jogo de Atari. E eu jogava. Todas as crianças no Menino Deus jogavam, na verdade. Atari era o máximo. E o meu Atari era da CCE, sei lá porquê. Lembro-me bem de ter que desligar o videogame depois de um tempo, porque os cartuchos ficavam quentes. Ter de assoprar para eles funcionarem. Dos joysticks com alavanca. Dos barulhinhos toscos. Saudade.

Queria ter um Atari ainda. Eu continuo o mesmo saudosista. Ainda compro meus vinis, meu carro é importado de um país que não existe mais, sou simpatizante à necrofilia da arte. Cinismo, puro cinismo. Tecnologia, na boca do povo, é videogame.

Depois do Atari veio minha fase Mega Drive 2. Na Rua Augusto Melecchi, quem tinha o melhor videogame, tinha mais amigos. Era assim. Até vir o Mega 3, minha casa era cheia de gente p'ra jogar Sonic comigo. Quem tinha o melhor videogame era mais feliz. E essa foi a maior lição que a infância me deixou.

(Solano Lucena)