Cena 15
Duas apresentadoras de telejornal tomam café após o final do programa. Uma penumbra será deixada no palco, elas se encontrarão no meio para contar o que acontecera. Apresentadora 1 está chorosa, enquanto a apresentadora 2 parece sem saber como agir.
Apresentadora 2: Amiga, conta!
Apresentadora 1: O de sempre.
Ele te bateu.
(nervosa) Por que tu precisa dizer, se tu sabe?
Desculpa, eu...
Não, desculpa eu. Tô nervosa.
Quer me contar?
Quer ouvir?
Claaaro! Tu sabe que sempre pode contar comigo.
Bateu. Ele me arrastou pelos cabelos da cozinha até o espelho do banheiro. Queria que eu visse como eu estava mais bêbada que ele.
E estava?
E o que importa!? Eu não machuquei ninguém.
Eu sei, amiga... Não quis dizer isso...
Eu não sei explicar. Nem sentir dor mais eu sinto. Hoje, quando acordei, pensava nisso. Por mais que ele me surre e fale as merda que ele costuma falar, eu gosto dele. Parece que gosto disso. (pausa) Não, não gosto... (pausa) Mas eu gosto, sabe? (expiração nasal de riso) Tu deve tá me achando maluca agora...
Não, claro que não. (compreensiva)
Se eu não gostasse, por que estaria com ele ainda? O que me impede de pegar a chave do meeeeu carro e ir p'ra outro lugar, nunca mais querê vê ele? (aqui acontece uma ascensão na entonação de voz) Quem comprou nosso apartamento fui eu, quem põe janta naquela mesa sou eu, quem paga a puta que ele come antes de vir descontar os cachorro em mim sô eu!
Apresentadora 1 chora. Apresentadora 2 não sabe o que dizer.
Amiga...
(interrompe) Ontem, ele foi dormir e eu fiquei pensando como seria fácil acabar com tudo isso. Só depende de eu querê. E, só de pensar nisso, já perco o sono... Tenho medo que ele descubra o que estou pensando. E ele pode descobrir, ele já fez isso. Pode, eu sei que pode. Eu mereço apanhar, sabe? Não pelos motivos imbecis que ele dá. Eu mereço apanhar porque eu fico. Porque eu passo noites chorando e odiando ele. Mas, no fim, eu fico. Fico...
Tu já pensou em procurar ajuda?
Já, a mãe dele. Ela disse que ele sempre foi assim, família de desequilibrados.
Sério...
Não. Eu tenho medo. Não sei até aonde esse cara é capaz de ir e isso é sério. Imagina um dia acordar com a pessoa que tu ama tocando no interfone. Tu vai abrir e ela toma conta de tudo, de novo. É bem típico dele. Esse cara é um mal que eu criei. Um dia desses descontei no Douglas a raiva que eu tinha.
Bater no filho dele não ajuda.
Ah, ajuda, pode ter certeza...
Isso me lembra uma peça que vi faz... Umas três semanas, eu acho. É sobre uma mulher que mata os filhos para se vingar do marido infiel.
(Acontece a peça)
E tu gostou?
Gostei, mas... É teatro, né? Nunca acreditei em teatro.
Tu é engraçada...
Engraçado é o cara que foi comigo. Sabe aquele tipo minha-mãe-disse-que-eu-sou-o-bom-e-eu-acreditei?
Sei! (ri) Nunca chegue bêbada em casa com um desses!
Comigo não, filha, comigo não! Acho que toda mulher deveria aprender isso nas aulas de ballet na creche: "homem é que nem chiclé, perdeu o gosto? Toca fora".
É, eu pensei em outra dessas...
"É quando tu pisa que eles grudam"?
Arrã!
(ri) "Só o que muda de um p'ro outro é a embalagem e a figurinha".
As duas riem e se abraçam como cúmplices, o abraço é antídoto para dor.
(Solano Lucena)
Apresentadora 2: Amiga, conta!
Apresentadora 1: O de sempre.
Ele te bateu.
(nervosa) Por que tu precisa dizer, se tu sabe?
Desculpa, eu...
Não, desculpa eu. Tô nervosa.
Quer me contar?
Quer ouvir?
Claaaro! Tu sabe que sempre pode contar comigo.
Bateu. Ele me arrastou pelos cabelos da cozinha até o espelho do banheiro. Queria que eu visse como eu estava mais bêbada que ele.
E estava?
E o que importa!? Eu não machuquei ninguém.
Eu sei, amiga... Não quis dizer isso...
Eu não sei explicar. Nem sentir dor mais eu sinto. Hoje, quando acordei, pensava nisso. Por mais que ele me surre e fale as merda que ele costuma falar, eu gosto dele. Parece que gosto disso. (pausa) Não, não gosto... (pausa) Mas eu gosto, sabe? (expiração nasal de riso) Tu deve tá me achando maluca agora...
Não, claro que não. (compreensiva)
Se eu não gostasse, por que estaria com ele ainda? O que me impede de pegar a chave do meeeeu carro e ir p'ra outro lugar, nunca mais querê vê ele? (aqui acontece uma ascensão na entonação de voz) Quem comprou nosso apartamento fui eu, quem põe janta naquela mesa sou eu, quem paga a puta que ele come antes de vir descontar os cachorro em mim sô eu!
Apresentadora 1 chora. Apresentadora 2 não sabe o que dizer.
Amiga...
(interrompe) Ontem, ele foi dormir e eu fiquei pensando como seria fácil acabar com tudo isso. Só depende de eu querê. E, só de pensar nisso, já perco o sono... Tenho medo que ele descubra o que estou pensando. E ele pode descobrir, ele já fez isso. Pode, eu sei que pode. Eu mereço apanhar, sabe? Não pelos motivos imbecis que ele dá. Eu mereço apanhar porque eu fico. Porque eu passo noites chorando e odiando ele. Mas, no fim, eu fico. Fico...
Tu já pensou em procurar ajuda?
Já, a mãe dele. Ela disse que ele sempre foi assim, família de desequilibrados.
Sério...
Não. Eu tenho medo. Não sei até aonde esse cara é capaz de ir e isso é sério. Imagina um dia acordar com a pessoa que tu ama tocando no interfone. Tu vai abrir e ela toma conta de tudo, de novo. É bem típico dele. Esse cara é um mal que eu criei. Um dia desses descontei no Douglas a raiva que eu tinha.
Bater no filho dele não ajuda.
Ah, ajuda, pode ter certeza...
Isso me lembra uma peça que vi faz... Umas três semanas, eu acho. É sobre uma mulher que mata os filhos para se vingar do marido infiel.
(Acontece a peça)
E tu gostou?
Gostei, mas... É teatro, né? Nunca acreditei em teatro.
Tu é engraçada...
Engraçado é o cara que foi comigo. Sabe aquele tipo minha-mãe-disse-que-eu-sou-o-bom-e-eu-acreditei?
Sei! (ri) Nunca chegue bêbada em casa com um desses!
Comigo não, filha, comigo não! Acho que toda mulher deveria aprender isso nas aulas de ballet na creche: "homem é que nem chiclé, perdeu o gosto? Toca fora".
É, eu pensei em outra dessas...
"É quando tu pisa que eles grudam"?
Arrã!
(ri) "Só o que muda de um p'ro outro é a embalagem e a figurinha".
As duas riem e se abraçam como cúmplices, o abraço é antídoto para dor.
(Solano Lucena)